terça-feira, 13 de abril de 2010

A democracia e o político

Artigo publicado nesta data, 22/03/2010, nos jornais TodoDia, p. 02, de Americana, e Capital, p. 02, de Campinas.

Por Thiago Ferrari

O exercício da vereança é um dos passos mais importantes para a consolidação da democracia e do exercício da cidadania. Apesar da descrença em torno do político brasileiro, o regime democrático constitucional, integrado pelo Poder Legislativo municipal, oferece inúmeras opções para a correção e a supressão dos erros, equívocos e ilegalidades cometidas pelos governantes. A formação dos regimes republicanos ocidentais, marcados pelo modelo liberal, ensina que o sistema de pesos e contrapesos expressos pelo contraditório da opinião e do livre debate contribui decisivamente para a revelação das verdades. Nesse cenário, as Câmaras Municipais ficam submetidas a pressões e a demandas sociais e políticas para corrigir os rumos de governo e elaborar uma relevante autocrítica.

O Brasil é um país que não vivenciou a plenitude da formação republicana e liberal, como muitos Estados ocidentais. Mas procura construir a democracia.  Desde a proclamação da República, convivemos com regimes excludentes, autoritários, profundamente moldados pelo pensamento positivista, sistêmico e hierárquico. A Constituição de 1946 expressou a reação ao regime ditatorial getulista, estabeleceu o regime republicano e democrático, mas com restrições, em especial à presença do principal partido de esquerda à época, o Partido Comunista, colocado na ilegalidade. O sentimento de liberdade política, porém, cresceu. Mas não foi suficiente para romper com um sistema concentrador de renda e discriminatório socialmente.

Os poucos avanços para a construção de uma sociedade republicana e democrática de fato foram frustrados com o golpe de 1964, cujos objetivos estavam traçados numa perspectiva autoritária, alimentada pela doutrina de Brasil grande e integrado num regime de segurança contra qualquer possibilidade de a oposição ser eleita para governar.

O processo para a elaboração da Constituição de 1988 também foi gerado em reação ao regime político comandado por presidentes militares. A sociedade optou pelo modelo político governamental regido pelo poder civil.

Desde outubro de 1988, somamos o maior tempo de normalidade democrática em mais de um século de regime republicano. Mas insuficiente para preparar as atuais gerações numa cultura profundamente republicana. É quase consenso entre os estudiosos e a população que, se dispomos de uma Constituição que abriga os princípios democráticos, eles não estão realizados no dia-a-dia do cidadão brasileiro. O caráter prescritivo da norma constitucional orienta a construção de um país, e é na vereança que podemos detectar esse contraste de modo profundo.

Se o cidadão habita e vive o dia a dia no município, é nele que a política se manifesta de modo mais intenso numa democracia. E é nesse território federativo que podemos encontrar os desafios que importam para o cidadão. Saúde, Educação, Transporte, Meio Ambiente, Segurança Pública, Urbanização, enfim, são temas presentes nessa relação entre o vereador e a população.

A democracia é o processo pelo qual podemos aprender a tratar dos conflitos e contradições típicos dos interesses divergentes alimentados pelos vários segmentos da população. Ela permite ampliar os mecanismos de respeito aos direitos das minorias e da diversidade sócio-cultural. Sem ela, a democracia, dificilmente uma sociedade aprenderá a cultivar o sentimento republicano, aquele que define e separa o que é público do que é privado num ambiente de contradições e interesses conflituosos.

As críticas dirigidas pela população ao político procedem, mas nem sempre explicam que o governante ou o parlamentar é alguém pertencente à mesma sociedade, à mesma cultura e ao mesmo tempo em que as gerações elegem seus representantes. Cabe ao político, porém, lutar para o aperfeiçoamento do regime democrático para que a sociedade, em sua complexidade, seja ouvida e representada. Nessa perspectiva, cabe aos governantes e parlamentares o exemplo sobre como diferenciar o público do privado. Pois foram eleitos com o compromisso de representar o cidadão e realizar a democracia que, aliás, se aprende no cotidiano dos conflitos e das contradições de qualquer sociedade. Amadurecer o sentimento democrático e realizá-lo socialmente demanda tempo, esforço e empenho para que as instituições políticas sejam eficientes. Por isso, devem ser cobradas, sempre.

Thiago Ferrari é advogado, vereador e líder do PMDB na Câmara Municipal de Campinas.

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